Frasco Sem Nom

(Ou: o peso de uma culpa com carimbo alheio) O que se perdeu naquela noite não foi apenas um paciente. Perdeu-se também a ilusão de que, no fim do plantão, quem segue ordens está seguro. Era quarta-feira, mas parecia segunda. O corredor do andar 3, setor de clínica médica, já borbulhava com queixas, roncos de bombinhas, e o som habitual dos alarmes que apitam mais por abandono do que por urgência. Eliane chegou como sempre: 18h, jaleco gasto, cabelo preso e a alma treinada para não pedir descanso. Técnica de enfermagem com 12 anos de hospital, desses em que se trabalha por três e se ganha por um. Silenciosa, discreta, competente. O tipo de funcionária que não ganha elogio nem que segure a morte pela mão. Mas cumpre. E cumpre tudo. Naquele plantão, assumiria 12 leitos. Estava substituindo uma colega que havia faltado, a quarta do mês. Pegou o caderno de passagens, anotou as medicações, os acessos, os sinais. Uma enfermeira já reclamava do atraso da farmácia. Outra dizia que não havia te...