Os que Dormem de Olhos Abertos

Na cidade de Parazul, onde as noites são tão densas que podiam ser colhidas com colher de pau, vivia Alcides, um homem de sono raso e memórias profundas. Parazul não estava em nenhum mapa confiável, mas os ventos alísios sabiam onde ela ficava. E era o suficiente. Era uma vila onde as mangas amadureciam só de serem olhadas e os peixes saltavam direto nas redes dos mais distraídos. Ninguém ali usava relógio, pois o tempo se media pelos ciclos das chuvas e pelos sonhos que a cidade costurava em suas madrugadas lentas. Mas Alcides não sonhava mais. Desde a noite em que tomara um comprimido redondo como uma moeda de prata — dexametazona, receitado por um farmacêutico que se dizia médium —, o sono fugira dele como gato assombrado. Três noites de olhos tão abertos que viam o escuro com mais clareza que o dia. Três noites escutando os ruídos do mundo como se fossem confidências: o ronco da esposa, o zumbido de mosquitos que carregavam saudades de outras encarnações, o gelo tilintando ...