Crônica de um Polegar Ferido (e um Céu Estrelado no Fim)
Amanheceu antes do sol. Ainda escuro, o dia já esperava por ele — ou talvez fosse ele que esperasse, já de pé, com o jaleco no cabide da alma e a pressa vestida na alma inteira. Cirurgião de carne, osso e missão, saiu antes que o relógio dissesse "vá", porque já sabia que o tempo não esperaria. Duas cirurgias. Dois hospitais. Uma só hora. Sete e oito. Era como dizer sim e não ao mesmo tempo. Mas há dias em que o corpo se transforma em metáfora de si mesmo e dobra esquinas do impossível com um bisturi no bolso. Chegou ao primeiro hospital quinze minutos antes, como quem antecipa o próprio destino. A cirurgia era de vesícula — órgão pequeno, mas que guarda as sombras do amargor e os silêncios do abdômen. A paciente era difícil. A médica responsável, ainda mais. Mas ele estava lá, inteiro. Quando os ponteiros do relógio mordiam cinco para as oito, ele correu. Não metaforicamente — correu mesmo. Desceu as rampas com a pressa de quem sabe que o tempo é uma doença degenerati...